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Caboclos sedimentaram protagonismo do povo nas festas da Independência

Movimento popular para comemorar a maior festa cívica da Bahia se tornou o modelo mantido até hoje

15/06/2024 às 13h26
Por: Redação Fonte: A Tarde
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No próximo dia Dois de Julho, o cortejo que celebra a Independência da Bahia e que tem características muito especiais completa 200 anos. Isso porque a versão mais conhecida sobre a origem da comemoração é de que, um ano depois da guerra baiana que solidificou a separação política entre Brasil e Portugal, uma manifestação que para algumas fontes tem forma de protesto e para outros apenas a celebração mais lúdica, se tornou a base da mais importante festa cívica da Bahia. E, tanto em Salvador como em cidades do Recôncavo, os Caboclos são os protagonistas da festa.

No especial em comemoração ao Bicentenário da Independência da Bahia, um dos conteúdos tanto desta coluna como do REC mostrou os Caboclos que lideram os desfiles em Santo Amaro, no dia 14 de junho; em Cachoeira, em 25 de junho; em São Félix, que segue a festa iniciada por Cachoeira e em Itaparica, que abre o ano de comemorações, pois lá a festa ocorre no mês de janeiro.

Em Santo Amaro, o protagonismo é para uma Cabocla, assim como em São Félix. A desta última cidade tem nome: Catarina. Ela é levada para Cachoeira para encontrar o Caboclo. Após as festividades, ele retribui a visita. Em Itaparica, o Caboclo Tupinambá tem tanto protagonismo que é guardado no gabinete do Executivo Municipal.

Essa elevação dos Caboclos para o lugar de honra da festa de solidificação do Estado brasileiro estabelece uma ideia sobre as características desse povo. As elites escolheram os indígenas, mas como se fossem marcas do passado. Já na concepção popular ele era o igual, afinal estava ali misturado aos negros escravizados ou libertos e, portanto, indesejado nessa nova concepção de nação independente.

Essa ideia do indígena representando o novo país está presente na literatura, como Peri, de O Guarani, romance de José de Alencar. Isso ficou mais forte no imaginário especialmente de uma elite que precisava articular o discurso de nova nação e que teve processos como o abandono de nomes portugueses para os de base tupi, como Santos Titara o autor do poema que se tornou a letra do Hino ao Dois de Julho.

Mas eis que o povo deu seu jeito para não ficar de fora. Segundo o relato de Manuel Querino, um velho mestiço, descendente de indígenas, foi colocado em uma carroça e levado em triunfo por populares em 2 de Julho de 1824. Para estes não houve alteração no seu cotidiano de pobreza mesmo com todo o discurso de mudança a partir de uma nação livre do poder colonial.

 

Protagonismo

Do ponto de vista da cultura popular, o Caboclo se estabeleceu como um Encantado das terras brasileiras e a muito custo conquistou o espaço nos candomblés para além da tradição angola, a primeira a reverenciá-lo na condição de ancestral das terras brasileiras. Tido como um ser que mantém sua vontade e rebeldia, a ponto de vir e ir do mundo físico em tempos que decide, o Caboclo recupera muito do que foi a resistência popular na oficialização da história do Dois de Julho. Ele é uma forte representação do povo que tentaram retirar da história, mas no caso da epopeia sobre a Independência da Bahia não funcionou.

Em seu livro O Dono da Terra- O Caboclo nos Candomblés da Bahia- o doutor em antropologia e professor titular da Ufba, Jocélio Teles dos Santos, conta episódios de como a participação negra era indesejada no desfile. Os chamados batuques eram considerados algo impróprio pelos jornais do período.

“O Jornal O Alabama de 9 de julho de 1868, assim se pronunciou sobre o fato de a comissão dos festejos não ter aparecido para levar os carros de volta para o Lapinha, o que ocorre após os carros do Caboclo e da Cabocla ficarem expostos ao público durante sete dias, anteriormente na Praça da Piedade, atualmente no Largo do Campo Grande: “Pois é lá patriotismo consentir que os carros fossem puxados por moleques descalços, e africanos esmolambados, às escuras até a Lapinha”. (O Caboclo nos Candomblés da Bahia- Jocélio Teles dos Santos, pp. 39-40).

Apesar das reclamações, os Caboclos foram os fiadores da participação popular. No plano de interações culturais esse símbolo cívico se uniu ao religioso. Não dá para diferenciar os Caboclos da independência dos que são celebrados nos candomblés. E com a incorporação dos carros na reconfiguração do desfile em Salvador, como mostrou A TARDE na edição de 1943, essa associação se fortaleceu.

“A Grande Jornada Cívica do 2 de Julho. Foi imponente o desfile dos carros emblemáticos que há muitos anos não saíam”. (A TARDE 3/7/1943, p.2).

Responsáveis pela comemoração em Itaparica, o grupo Os Guaranis tornou-se uma espécie de guarda dos Caboclos de Salvador. São os seus integrantes que vão à frente dos carros no cortejo anual.

Na manhã do Dois de Julho, o Parque São Bartolomeu, a impressionante reserva natural que fica na capital baiana, é tomada, especialmente na entrada, pelos grupos de diversos terreiros que vão saudar os Caboclos. É um grande giro de Caboclo a céu aberto. Em outros terreiros, a celebração ocorre em Sete de Setembro. É o único dia nas celebrações de candomblé com ritos em português.

Em 2006, um especial de A TARDE foi todo dedicado a essa presença. Intitulado Dia de Caboclos, o caderno contou as várias nuances da importância que esse encantado alcançou nas celebrações baianas ligadas à Independência:

“Salvador, enfim, consagrou, numa mistura de festa cívica e religiosa, o tesouro de índios e negros: a aliança que extrapolou a realidade e foi abrigar-se no plano místico, para manter viva a memória dos seus ancestrais e as suas novas referências conjuntas numa terra que conseguiram também fazer sua em meio a tantas adversidades. Talvez por isso, caboclo tenha passado a rimar com liberdade”. (A TARDE, 2/7/2006, Especial Dia de Caboclos, Capa).

Os Caboclos devolveram o lugar do povo na celebração ao Dois de Julho. O historiador Cid Teixeira costumava dizer que a festa era o do povo. As representações de governo, segundo o professor Cid, estavam na condição de penetra. Observando a programação do Dois de Julho dá para compreender esse lugar popular de protagonismo. O cortejo é liderado pelas estátuas do Caboclo. As escolas e fanfarras desfilam em meio às instituições militares, sem hierarquia de importância. O lugar da arte e da performance das balizas foi ocupado majoritariamente pela cultura LGBTQIA+.

 

As estátuas ficam por ao menos três dias no Campo Grande para receber as homenagens e as oferendas que são as colocadas aos pés dos Encantados das religiões afro-brasileiras na condição de Caboclos. E é o povo que os devolve para a sua morada na Lapinha em um movimento que lembra muito o que deve ter sido o primeiro desfile, ao som de bandinhas e sem solenidades oficiais. É um enredo digno da rebeldia ou do lúdico, não importa, que se fez como memória do Dois de Julho de 1824.

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Santo Amaro (também conhecida pela denominação não oficial Santo Amaro da Purificação) é um município do Recôncavo Baiano. Possui 492 quilômetros quadrados de área e uma população de 60 069 habitantes (2019), resultando em uma densidade demográfica aproximação de 125 habitantes por quilômetro quadrado.
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