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Mulheres negras quilombolas e periféricas compartilham saberes e práticas comunitárias durante encontro sobre resiliência climática em Cachoeira (BA)

O UMOJA – Encontro de Mulheres Negras Quilombolas e Periféricas pela Resiliência Climática e Bem Viver, foi realizado pela Associação Rede Elas Negras Conexões nos dias 29 e 30 de novembro

04/12/2024 às 18h18
Por: Redação Fonte: Revista Afirmativa
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Foto: Karla Souza
Foto: Karla Souza

Às margens do rio Paraguaçu, no povoado de São Francisco do Paraguaçu, que pertence a Cachoeira, no Recôncavo Baiano, as ruínas do convento Santo Antônio se erguem como um testemunho silencioso de séculos de história. O que resta do imponente edifício, construído no século XVII por africanos escravizados para abrigar a ordem franciscana, foi o cenário escolhido para a realização do UMOJA – Encontro de Mulheres Negras Quilombolas e Periféricas pela Resiliência Climática e Bem Viver, nos últimos dias 29 e 30 de novembro. 

“Se antes a gente não ocupava esse espaço, hoje todos os eventos a gente faz aqui dentro para mostrar a importância dele para nós. Se antes ele era palco de tristeza e sofrimento, hoje a gente realiza nossas conquistas aqui dentro”, declara Roseli Calazans, professora e filha de pescadores da comunidade, reconhecida como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares em 2005, e que teve seu Relatório Técnico de Identificação e Delimitação publicado pelo Incra em março deste ano.

Na abertura do evento, Pan Batista, coordenadora executiva da Associação Rede Elas Negras Conexões (AREC), responsável pela realização do encontro, ressaltou que o local foi escolhido para sediar, porque é lá que a Associação executa seus dois principais projeto. “Amor no Prato: Rede Quilombola pela Segurança Alimentar”, que distribui cestas alimentares para famílias da comunidade, visando combater a insegurança alimentar com base no respeito aos territórios e na valorização das tradições quilombolas, através do cultivo comunitário e sustentável de alimentos. Além do “Elas Negras se Abraçam”, focado no cuidado com o bem-estar físico, mental e emocional de mulheres negras ativistas.

“Criamos o encontro para falar do tema da nossa era, que são as mudanças climáticas, mas a partir da nossa perspectiva enquanto mulheres negras e lideranças das nossas comunidades, que é focada no Bem Viver”, pontuou a anfitriã, convidando as participantes a aproveitar o encontro, cujo nome significa “unidade” em suaíli, uma das línguas mais faladas na África Oriental.  

Foto: Karla Souza

“Resiliência climática é a palavra da moda”

As atividades do sábado (29), primeiro dia de encontro, tiveram início com uma Mesa de Abertura com lideranças negras quilombolas e periféricas. Na sequência, representantes das organizações e coletivos presentes, vindos de diferentes regiões do Recôncavo e das periferias de Salvador (BA), foram homenageadas com o troféu UMOJA. Como o Núcleo Artístico de Favela; Trama; Coletivo Liberinas; Quilombo GBESA; Rede de Mobilização Coletiva Afro Ciclo; Roda de Samba de Mulheres de Itapuã. A Revista Afirmativa foi uma das organizações premiadas. 

“Depois de alguns anos a gente vê hoje que a palavra Bem Viver virou moda. Mas o que realmente significa? Resiliência climática é outra palavra que está na moda, mas quem está nas bases protegendo, colocando seus corpos na linha de frente?”, questionou uma das premiadas, Maria da Conceição Abade, integrante da Articulação de Mulheres Negras no Quilombo Engenho da Ponte. Ela também é a tia de Tainara dos Santos, jovem de 27 anos desaparecida após sair da comunidade quilombola Acutinga Motecho, em Cachoeira, desde o dia 9 de outubro deste ano. “Recebo esse prêmio hoje por Elitânia, por Tainara e por tantas outras que foram silenciadas.”

Na oportunidade, as ativistas também debateram o tema das mudanças climáticas, e denunciaram desafios enfrentados por suas comunidades. A exemplo do asfaltamento, frequentemente associado à modernização e urbanização, mas que vem sendo criticado por comunidades periféricas ou rurais. Tanto por contribuir para a formação de ilhas de calor, como por reduzir a permeabilidade do solo, dificultando a absorção da água da chuva, e causando enchentes e alagamentos nas cidades, e comprometendo as práticas agrícolas de comunidades rurais. Enquanto soluções alternativas mais compatíveis com a realidade local e com a sustentabilidade ambiental são ignoradas.

Resgatar e compartilhar saberes e práticas comunitárias é o caminho

A manhã incluiu ainda um tour no Convento Santo Antônio, com guias do Roteiro Turístico Paraguaçu (Rotupa). Eles contaram a história por trás da construção, que também é um dos cenários do livro Salvar o Fogo, do escritor baiano Itamar Vieira Junior, que já visitou o local.

Toda a programação foi permeada por performances e momentos culturais, como a Banda Mulheres Percussiva, o Grupo de Dança Afro Pulo do Negro, o Samba das Pretas, a Roda de Capoeira Grupo Tradição Quilombola e o Samba de Roda Geração do Iguape. Já as refeições, coerentes com o propósito do encontro, priorizaram o uso de talheres biodegradáveis, e copos de fibra de bambu utilizados para compostagem. 

Foto: Karla Souza

“Estar aqui reunida com tantas mulheres potentes, com tantas trajetórias e narrativas, só fortalece a gente na luta”, avalia Jam Sankofa, da Rede Afro Ciclo. A soteropolitana, que vive em Santo Amaro há nove anos, defende que a troca de práticas proporcionada durante o encontro, remete a educação e a oralidade como um legado dos nossos ancestrais, que considera valioso no debate da resiliência climática. “Acessamos muitas dessas práticas ouvindo nossas mais velhas. Como comer o acaçá ou o abará enrolados em uma palha tirada da natureza, não em um plástico ou alumínio.”

Para ela, enquanto priorizarmos aprender e reproduzir as práticas dos colonizadores, o resultado será a destruição e o desmatamento. “Enquanto o colonizador continuar nos ensinando como desenvolver, vamos continuar reproduzindo práticas destrutivas. Devemos olhar mais para a potencialidade das nossas comunidades.” 

Foto: Karla Souza

Durante a tarde, os diálogos foram permeados pela palestra “Educação antirracista e práticas comunitárias pela emergência climática e combate ao racismo ambiental”, facilitada por Carla Nogueira, integrante do Quilombo GBESA, que reforçou a importância de atuar em coletividade. A ativista chamou atenção para as relações tradicionais das populações negras com a natureza. Como o Terreiro do Bate Folha, localizado na Mata Escura, bairro periférico de Salvador, que tem 108 anos de existência e possui a maior área urbana remanescente da Mata Atlântica, aproximadamente 15,5 hectares.

“A educação quilombola e indígena faz com que a gente lide com a natureza. A gente extrai dela o que precisa, mas não desmata. O capital precisa destruir para verticalizar construções, é a ideia de desenvolvimento”, explica a ativista, que reforça que a luta pela preservação e demarcação desses territórios, significa resguardar esse conhecimento secular. “São nossas práticas comunitárias que vão sanar a emergência climática. Porque essa ideia do sujeito enquanto centro do mundo fez com que a gente se afastasse da natureza. E nós somos extensão da natureza.”

Resistência quilombola 

O segundo dia de programação foi marcado por um Café com Prosa, com Edson Falcão, presidente da Associação Quilombola de Santiago do Iguape, e liderança do Movimentos dos Pescadores e Pescadoras da comunidade. O senhor de mais de 70 anos, denunciou a poluição do Rio Paraguaçu por empreendimentos e estaleiros navais, que tem exterminado peixes e mariscos típicos da região. 

“Minha mãe quando ia para o mangue, trazia sacolas de ostras de sururu, e ficava todo mundo satisfeito. Antigamente a gente criava boi e levava cinco anos para vender, hoje são dois anos, por causa dos aditivos. Temos aqui fazendas que jogam herbicidas no capim, e quando chove, aquela água vai para o nosso rio”, lamenta.

Foto: Karla Souza

O líder quilombola celebrou ainda os avanços no processo de titulação da comunidade, principalmente para combater a prática ilegal de cobrança de “forro de chão” das comunidades. Trata-se de um termo de origem colonial, que se refere a pagamentos feitos por comunidades tradicionais para permanecerem em terras que historicamente ocupavam, muitas vezes sob regime de serviço ou exploração. A prática ressurge hoje nas comunidades quilombolas, como uma cobrança indevida por posseiros ou fazendeiros. 

“Estou cansado de dizer: povo, não pague. Porque nós temos a certidão quilombola de Santiago do Iguape”, completa. 

O UMOJA – Encontro de Mulheres Negras Quilombolas e Periféricas pela Resiliência Climática e Bem Viver foi realizado com o patrocínio da Fundação Tide Setúbal, TikTok e Movimento Bem Maior, apoio da Phomenta, Ecam e Instituto Phi, e apoio institucional do Colégio Estadual Quilombola da Bacia do Iguape, Articulação de Mulheres Negras do Quilombo Engenho da Ponte e Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Francisco do Paraguaçu Boqueirão.

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Sobre o município
Cachoeira é um município, no estado da Bahia, no Brasil. Situa-se às margens do Rio Paraguaçu. Está distante cerca de 120 km da capital do estado, Salvador. Sua área é de 395 quilômetros quadrados e a população, conforme estimativas do IBGE de 2019, era de 33 470 habitantes.
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