No coração do Recôncavo Baiano, em Acupe, distrito de Santo Amaro, celebra-se a Festa do Nego Fugido, uma manifestação cultural que revive a história da escravidão através de encenações e rituais. A festa, realizada aos domingos de julho, atrai fotógrafos e turistas, e destaca a luta pela liberdade e a conscientização sobre a discriminação e o racismo.
Ao reviver a história da escravidão, a festa contribui para a conscientização sobre o passado e a importância da luta contra a discriminação e o racismo. A participação ativa na festa, desde a preparação até as apresentações, fortalece os laços entre os moradores e reforça o sentimento de pertencimento à comunidade.
Acupe, uma comunidade quilombola banhada pela Baía de Todos os Santos, preserva traços do povo nagô, cujos ancestrais foram trazidos da África para trabalhar nos engenhos de cana-de-açúcar. A comunidade sobrevive da pesca e da mariscagem.
A origem do Nego Fugido remonta ao século XIX, com lendas como a da praga de Icu, orixá que lançou uma maldição sobre um engenho. Para afastar os espíritos ruins, a comunidade realiza aparições de personagens como as "negas", caçadores, capitães do mato, o rei e a princesa Isabel. As encenações, acompanhadas por tambores e cânticos em português e iorubá, ocorrem em diferentes ruas do distrito, culminando na rebelião dos escravos e na captura do rei.
Os escravos eram enterrados nos fundos da fazenda do senhor de engenho Francisco Gonçalves e em cada cova plantadas mudas de bananeira. A lenda diz que, ao cortar uma das bananeiras, era possível ver o sangue dos escravos enterrados, daí as folhas das bananeiras serem utilizadas na representação do caçador.
A “nega”, interpretada por jovens e crianças que usam calção branco, pintam o rosto de preto e utilizam na boca corante para bolo, fazendo alusão ao sangue derramado nas fugas. Representam os escravos fugitivos, tentando se livrar do caçador;
O caçador usa roupa feita de couro, cabaças, espingarda, rosto pintado com tinta guache e carvão triturado, corante escorrendo pela boca e saia de bananeira; capturam as negas e as vendem para o público assistente;
O capitão do mato impõe respeito com chicote na mão e ordena a venda das negas que tentam juntar dinheiro para comprar a carta de alforria;
O rei é o detentor da carta e assiste a toda a aparição, acompanhado de seus guardas que fazem a sua segurança enquanto ele recebe o dinheiro conseguido pelas negas;
Outra figura importante é a da princesa Isabel, representada por D. Santa, respeitada moradora de Acupe e madrinha do Nego Fugido, que convence o rei a dar a carta de alforria para os escravos.
As aparições do Nego Fugido pelas ruas de Acupe constroem ao longo do mês uma narrativa acerca da história contada. Tudo se inicia ainda no primeiro domingo de julho, as negas estão festejando quando são surpreendidas pelos capitães do mato. Inicia-se uma luta, mas as negas são capturadas e colocadas de joelhos aos pés do público.
Toda encenação é dirigida pelo toque dos tambores e atabaques. Os cânticos misturam português e iorubá em uma só sintonia. As apresentações se repetem em diferentes ruas do distrito, relembrando que escravidão existiu em todos os pontos visitados. Em meio a toda perseguição, as negas se jogam no chão tremendo como em um ataque epiléptico. Todos gritam, enquanto os caçadores correm de forma desengonçada em busca do escravo, disparando a espingarda e deixando escorrer da boca corante vermelho. A encenação da fuga se repete até o último domingo de julho, quando finalmente os escravos conseguem se rebelar e ganham o apoio dos caçadores e, além de conquistar a liberdade, conseguem prender e leiloar o rei.
Outras manifestações se juntam às do Nego Fugido: as sambadeiras, com seus passos ritmados e vozes vibrantes, celebram a cultura ancestral, levando alegria e força às almas presentes.
A Burrinha, pequena e brincalhona, traz a leveza da infância e a tradição de um povo que não esquece suas raízes. As Caretas, com seus rostos deformados e expressões exageradas, divertem e assustam, lembrando que a festa é também um espaço de transformação e de reflexão sobre o que é visto e o que é escondido.
Cada personagem, cada encenação, é uma peça de um grande mosaico que conta a história de resistência, de luta e de esperança. A Festa do Nego Fugido é mais que uma celebração; é um ato de memória viva, uma poesia que pulsa nas ruas de Acupe, onde o passado e o presente se encontram em uma dança eterna de liberdade e identidade.
O Nego Fugido é uma espécie de teatro de rua que retrata a fuga de escravizados, sua perseguição e captura, culminando na compra da alforria. A manifestação utiliza elementos como pintura corporal com carvão e óleo, roupas feitas com folhas de bananeira (que simbolizam o "sangramento" e o sofrimento) e cantos em português e iorubá.
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